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Foto: @gumter.jpeg
Cultura
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FARID dá voz à autenticidade em novo lançamento ”Afrobrasileiro, Vol. 1”

No final de agosto, FARID lançou o EP AFROBRASILEIRO, Vol. 1.

Cada vez mais movimentada, a cena artística de Sorocaba tem revelado estrelas em ascensão que, em suas produções, expressam não apenas musicalidade mas também todo um ecossistema de crenças, valores, ideias e conceitos. Para provar a potência da artilharia do interior, surge FARID.

O relacionamento com a arte e com a música surgiu na igreja e tem raízes familiares. Sendo cantores de coral na igreja, ali seus pais fizeram uma aposta com o futuro: não tinha como não nascer artista.

Assista a nossa entrevista com FARID

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No começo, a musicalidade surgiu de forma orgânica e espontânea, quando ele criava na igreja arranjos instantâneos, buscando traduzir músicas que o público conseguisse acompanhar e cantar junto.

Seu primeiro palco, a igreja, também permitiu que o cantor se acostumasse cedo com a exposição de ter todas as atenções voltadas para si.

Com a ajuda de uma amiga, começou a exercitar a composição e logo entendeu que a música não seria coadjuvante em sua vida. Mas foi só há 4 ou 5 anos que FARID realmente começou a fazer música.

O início aconteceu de forma natural e bastante orgânica: compunha, desenvolvia beats simples e mostrava para os amigos. Quando reunia alguns deles, apresentava seu trabalho e, com esse apoio, logo surgiu a vontade de compartilhar com o mundo.

A primeira produção surgiu com o produtor de um amigo. Essa proximidade entre os amigos, que foram seu primeiro público, fez com que a produção sempre tivesse ouvintes dedicados.

“Fui compondo para as minhas pessoas e as coisas foram nascendo. A intenção é fazer o que eu gosto, mas sabendo que minha arte está tocando outras pessoas.”

Em 2025, o cenário já é outro, com FARID se apresentando em festivais da cidade (como o Lobofest), feiras culturais e casas de show.


Arte como espelho

A criatividade não é só um conjunto de combinações que formam um sentido único e especial.

Na maioria das vezes, a criatividade — e a arte, em específico — surge como refúgio e como catalisador da própria personalidade e dos dilemas que ela enfrenta.

Com o artista, não foi diferente. Durante um momento de vulnerabilidade, em que o peso da vida acelerava os pensamentos, ele viu na arte um caminho.

“A arte me ajudou a me entender em um momento em que eu estava, de fato, me entendendo e me abraçando. Durante todo o processo em que me assumi, foi ela quem me abraçou. É muito louco pensar que até alguns anos atrás o relacionamento com a música ainda não estava rolando assim e aí, de repente, a música falou: ‘eu preciso de você.’”

Genuinamente autêntico, suas composições não fogem do seu próprio radar sobre o que é relevante.

“O som tem tanto posicionamento porque eu sou uma pessoa muito posicionada. Então, reflete. Conforme eu cresço, minha música também vai crescendo. A sensibilidade vem de dentro das composições. O EP Afrobrasileiro, Vol. 1 são compilados desse início de contato com a música. Todas têm uma conversa, um assunto, uma posição, e todas traduzem o meu posicionamento sobre o que penso da vida, do amor, da alegria, da autenticidade” Farid complementa.

Ao ouvir o trabalho, esse compromisso com a sinceridade fica palpável. Pensado para ser ouvido em ordem, a faixa que abre o EP, “Aviso”, expressa a raiva e a frustração diante das imposições da sociedade a uma pessoa preta.

Ao longo do álbum, em músicas como “Consciência” e “Sem Crise” (algumas das favoritas do cantor nesse trabalho), o ouvinte entende que a produção expressa a necessidade de abraçar a própria autenticidade, apesar do sofrimento, da correria e do cansaço.

“O que nós somos é onde está o valor e isso a vida não rouba.

A sociedade, que é construída para ser contra nós, também não rouba.”


Do isolamento, surge a possibilidade do coletivo

Algumas das produções do EP surgiram durante a pandemia, quando o mundo enfrentava um dos maiores desafios humanitários dos últimos tempos.

Em um contexto de angústia social, foram as produções que salvaram o artista. Com o isolamento, FARID resolveu aproveitar sua familiaridade com a tecnologia para dar corpo a sentimentos que buscavam escapar.

No computador, começaram os primeiros trabalhos e, aos poucos, a expressão tomou forma. Logo, as criações foram divulgadas ao público, aproximando pessoas reféns da frieza do isolamento.

“Durante a pandemia, foi o processo de criar que me salvou. Sempre trabalhei com computador e só aproveitei a habilidade para transformar o desejo de expressão em arte” complementa, refletindo sobre o momento em que começou a criar.

”Costumo dizer que, enquanto a música não é lançada, ela é minha. A partir do momento em que eu solto, ela é de todos.”


AFROBRASILEIRO, Vol. 1

Sobre o EP, o artista compartilha detalhes do processo criativo que fazem o público enxergar a produção de forma diferente.

“Minha faixa favorita é o interlúdio. Não gosto de soltar algo que não vibro, então todas são igualmente amadas. Mas no interlúdio sinto que consegui me sintetizar de forma musical. Ela tem uma composição poética, um sample dos Racionais e um do Leall, é mais íntima e nasceu de forma orgânica. Tem músicas que nascem de uma vez, quando a vida está fresca na mente.”

Quando o assunto são suas referências, a resposta é rápida: o jazz tem sido uma das maiores influências em suas produções. Apesar de se considerar um artista de R&B e black music, FARID entende que as produções ganham força quando o repertório de quem cria não é tímido.

“O hip hop não tem que estar separado do jazz, do indie, do clássico, etc. Nos últimos tempos, o jazz tem sido uma das grandes influências pra mim, e os próximos projetos vão beber disso. Não é porque sou um artista de R&B e black music que não posso flertar com o jazz. Sinto sinestesia, então gosto de criar músicas que traduzam bem as sensações.”


Expoente da cultura: Sorocaba

A cena cultural de Sorocaba vive um momento especial.

Apesar da escassez de recursos cada vez mais evidente, coletivos, espaços e indivíduos continuam comprometidos em tornar a cidade uma referência em cultura.

FARID faz parte desse movimento de forma direta, sendo um dos artistas que movimenta a arte local e desenvolve projetos que ultrapassam as fronteiras da região, alcançando um público ainda maior. Para ele, a cena vive uma crescente inspiradora.

“Há alguns anos, o movimento do hip hop e do R&B, da música brasileira, ainda não estava nesse momento de crescimento. Tem muita coisa pra conquistar ainda, mas é legal ver que a galera está se juntando e se fortalecendo para levantar a voz. É para além de fazer música: é abraçar a cultura de Sorocaba como um todo.”

Nas referências locais, o artista exalta o trabalho de Gaza (Murilo Orum), Camargo e Kazlu, nomes fundamentais nesse momento da cidade.


O caminho da criatividade

Os desafios de decidir viver como artista são inúmeros. Para FARID, eles são ao mesmo tempo pessoais e públicos:

“A maior dificuldade em ser artista é entender que você cria pra você e precisa criar para si mesmo. Querendo ou não, conforme você cresce, as expectativas surgem. As pessoas esperam uma vibe, um tipo específico de som… Mas comecei a fazer música porque me expressava e podia me colocar ali na faixa. É difícil entender isso e conviver com o fato de que, às vezes, a pessoa não quer ouvir esse tipo de som, não quer ouvir você, não está afim dessa vibe. Essa música não vende pra tal show, esse álbum não cabe em tal evento. O maior desafio é lidar com a demanda específica do público. Nesse momento, você precisa entender que também é artista e não pode se vender por isso.

Provando o papel da arte como uma ferramenta de transformação social, o artista expõe que, para além do fazer arte, a criação é também um momento íntimo, onde o artista consegue revisitar a sua existência e transformar seus contextos em arte.

A música foi o que me abraçou, principalmente durante o processo de me assumir, de ter meu relacionamento e entender quem eu sou, o que eu gosto. Da mesma forma, me abraçou no entendimento da beleza como homem preto, em compreender que minha vida não é a mesma dos meus amigos ou conhecidos — e eu tenho que ser fiel ao motivo que iniciou meu relacionamento com a música: me expressar, falar por mim e entreter. Tem como lidar com os dois, mas vai ser sempre um desafio.”

Confira uma das produções do artista: 


Confira a entrevista completa:

Com FARID, o público pode conhecer a versatilidade de um artista honesto em suas produções e que transforma suas alegrias e dores em arte, permitindo que todos peguem carona no conforto de um processo desafiador, belo e, para os sortudos, inevitável que é existir.